O imposto chegou para o Fast Fashion

A indústria do Fast Fashion tem sido alvo de crescente escrutínio por parte das autoridades fiscais e ambientais em todo o mundo.


Empresas como Shein e Temu, que dominam o mercado com vestidos de preços acessíveis e ciclos de produção acelerados, agora enfrentam uma nova realidade: a possibilidade de impostos específicos voltados a combater seus impactos econômicos e ambientais.


Esse movimento, que inicialmente parecia direcionado a setores como refrigerantes, plásticos e químicos, agora mira o Fast Fashion como uma potencial fonte de arrecadação e um alvo para políticas de sustentabilidade.


No Brasil, desde agosto de 2023, o governo federal implementou o programa Remessa Conforme, que eliminou a isenção do Imposto de Importação para compras abaixo de US$50. Com isso, todas as compras internacionais estão sujeitas ao Imposto de Importação, com uma taxa de 20% para compras no valor de US$50 e 60% para compras acima desse valor.


Além disso, o ICMS, um imposto estadual, também é cobrado sobre essas compras, com alíquotas de ICMS variando entre os estados, sendo 17% a taxa mais comumente adotada no país.
Esses impostos afetam diretamente tanto as empresas de Fast Fashion quanto os consumidores.

O Problema do E-commerce e as Tarifas Aduaneiras


Um dos principais desafios enfrentados pelos governos é como as empresas de Fast Fashion têm usado brechas nas regras de importação para minimizar o pagamento de tarifas aduaneiras. Nos Estados Unidos, por exemplo, a isenção de minimis permite que pacotes com valor abaixo de US$ 800 entrem no país sem cobrança de impostos. Shein e Temu, que enviam milhões de pacotes diretamente aos consumidores, têm se beneficiado dessa regra, o que tem levantado preocupações sobre concorrência desleal e perda de arrecadação tributária.


Na África do Sul, a Shein está sob investigação por supostamente pagar tarifas reduzidas ao fragmentar seus carregamentos em pacotes menores. Essas práticas não apenas prejudicam os cofres públicos, mas também levantam questões sobre a justiça no comércio internacional. A Shein, por sua vez, surpreendeu ao defender uma reforma na isenção de minimis, sugerindo a inclusão de critérios qualitativos para garantir práticas responsáveis de sourcing e fabricação.

O Impacto Ambiental


Além das questões fiscais, o impacto ambiental do Fast Fashion é alarmante. A indústria produz cerca de 100 bilhões de peças de roupa por ano, quase o dobro do volume produzido antes de 2000. A maioria dessas peças é descartada após alguns usos, contribuindo para o aumento de resíduos têxteis em aterros sanitários e incineradores.

Nos Estados Unidos, 85% das roupas descartadas seguem esse destino. A produção acelerada também tem um custo ambiental significativo. A indústria da moda é responsável por 10% das emissões globais de gases de efeito estufa e 20% da poluição da água, principalmente devido ao processo de tingimento têxtil. Programas de revenda e reciclagem oferecidos por empresas como Shein e Zara são louváveis, mas insuficientes para compensar o volume de produção e descarte de roupas.

Soluções Fiscais em Discussão


Diante desses desafios, governos ao redor do mundo estão considerando medidas fiscais para reduzir os impactos da indústria do Fast Fashion. No Reino Unido, os Liberais Democratas propuseram a introdução de um imposto de 1 centavo por peça de roupa nova, com os recursos destinados a melhorar as infraestruturas de reciclagem.


Eles também sugeriram reduzir impostos sobre serviços de reparo e aluguel de roupas, incentivando a reutilização e o consumo consciente – isso, no entanto, exigiria uma mudança significativa na cultura do consumidor, já que as gerações mais jovens não têm o hábito de consertar roupas usadas.


Na Austrália, o governo está pressionando a indústria a adotar voluntariamente um imposto de 4 centavos por peça de roupa, destinado a financiar projetos de reciclagem. Se as empresas não aderirem voluntariamente, o governo ameaça impor regulamentações obrigatórias.


Na União Europeia, a Comissão Europeia incentiva os estados-membros a adotar medidas fiscais que promovam a reutilização e o reparo de roupas, embora ainda não haja uma diretiva unificada. No Brasil, o governo anunciou a intenção de taxar remessas de grandes empresas de e-commerce, como forma de combater a evasão fiscal e nivelar o campo de jogo entre empresas nacionais e estrangeiras. A proposta, ainda em discussão, reflete uma tendência global de revisão das regras fiscais para o comércio digital.

Um Novo Capítulo para Tributação e Sustentabilidade


A taxação do Fast Fashion representa um novo capítulo na interseção entre política fiscal e sustentabilidade. Embora as medidas propostas variem entre países, o objetivo comum é claro: responsabilizar as empresas pelos impactos econômicos e ambientais de suas práticas, ao mesmo tempo em que se busca incentivar modelos de negócios mais sustentáveis.

No entanto, importantes questões permanecem;

  • Como os consumidores reagirão a possíveis aumentos de preços?
  • Os impostos serão suficientes para compensar os danos ambientais?
  • E como garantir que as empresas não repassem os custos para trabalhadores já precarizados em suas cadeias de produção?

O Fast Fashion está profundamente enraizado na economia global, e sua taxação será um tema crucial nos próximos anos. Enquanto os governos buscam equilibrar arrecadação fiscal, proteção ambiental e justiça comercial, o setor terá que se adaptar a um novo paradigma onde sustentabilidade e responsabilidade fiscal não são mais opcionais, mas imperativas.

Entendo que a complexidade dessas medidas exigirá um diálogo constante entre legisladores, empresas e a sociedade civil.


A taxação do Fast Fashion não é apenas uma questão de arrecadação de receitas, mas uma oportunidade para repensar o papel do setor privado na construção de um futuro mais justo e sustentável.

Claudia Regina Gabriele

Advocacia e Consultoria Jurídica

Referências:

https://www.forbes.com/sites/taxnotes/2024/10/07/the-tax-man-comes-for-fast-fashion-part-3-the-us-leads-the-way/

https://www.forbes.com/sites/taxnotes/2023/11/13/the-tax-man-comes-for-fast-fashion

https://www.abc.net.au/btn/classroom/fast-fashion-tax/104016202

https://www.just-style.com/news/france-fast-fashion-tax-could-drastically-change-apparel-landscape/