Por Claudia Regina Gabriele, Especialista em Direito Tributário e Nacionalização de Empresas
O recente acordo entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e as americanas s.a., no valor de R$ 865 milhões, com um desconto de 34% (pagamento de 66% do total), traz importantes reflexões sobre estratégias de planejamento tributário, gestão de passivos fiscais e a eficácia de transações em momentos de crise financeira.
Como especialista, analiso que o caso revela tanto acertos quanto oportunidades perdidas no planejamento tributário da empresa, além de servir como aprendizado para outras companhias que enfrentam disputas fiscais significativas.
1. O acordo em síntese
O acordo envolve:
- Pagamento de R$ 340 milhões (sendo R$ 150 milhões à vista, R$ 60 milhões via depósitos judiciais e R$ 130 milhões via uso de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL e IRPJ).
- Extinção de 127 execuções fiscais e processos judiciais, alguns com mais de 20 anos.
- Exclusão de processos administrativos, o que mantém a possibilidade de novas cobranças.
- Garantia via seguro para o caso de a Receita Federal não homologar os créditos de prejuízo fiscal.
2. Análise do planejamento tributário: o que poderia ter sido diferente?
2.1. Antecipação da negociação
O acordo foi iniciado apenas após o pedido de recuperação judicial, o que limitou o poder de barganha da empresa. Um planejamento tributário proativo, com negociações antes da crise se agravar, poderia ter garantido condições mais favoráveis, como prazos maiores ou menor exigência de garantias.
2.2. Uso estratégico de prejuízos fiscais
A utilização de prejuízos fiscais (R$ 130 milhões) foi uma jogada inteligente, pois permitiu reduzir o desembolso imediato. No entanto, a empresa perde a possibilidade de usar esses créditos no futuro, o que impactará sua carga tributária posteriormente.
Observação: Empresas com grandes prejuízos acumulados devem avaliar se é mais vantajoso usá-los em acordos ou mantê-los para compensações futuras, dependendo da projeção de lucros.
2.3. Exclusão dos processos administrativos
A não inclusão dos processos administrativos no acordo deixa uma “porta aberta” para novas cobranças. Se a empresa tivesse buscado uma transação global (incluindo débitos em fase administrativa), poderia ter obtido maior segurança jurídica.
2.4. Depósitos judiciais sem desconto
Os R$ 60 milhões em depósitos judiciais não sofreram desconto, o que demonstra que a empresa poderia ter otimizado a estratégia de judicialização. Em alguns casos, antecipar acordos antes de longas batalhas judiciais pode resultar em melhores condições.
3. Lições para empresas em situação similar
- Monitoramento contínuo de passivos tributários: Identificar e negociar débitos antes que se tornem execuções fiscais ou processos judiciais prolongados.
- Avaliação de créditos tributários: Decidir se é melhor usar prejuízos fiscais em acordos ou reservá-los para redução de tributos futuros.
- Estratégia de transação global: Buscar acordos que abranjam todas as fases de cobrança (administrativa e judicial) para evitar surpresas futuras.
- Análise de timing: Negociar em momentos de maior solvência, quando a empresa tem mais poder de barganha.
Assim, o caso das Americanas ilustra a importância de um planejamento tributário estratégico e preventivo. Embora o acordo tenha resolvido parte significativa do passivo, uma abordagem mais antecipada poderia ter reduzido ainda mais os custos e riscos.
Para empresas em situação semelhante, a lição é clara: o melhor momento para negociar é antes que a crise se instale, e a melhor estratégia é aquela que considera todos os aspectos do passivo tributário, incluindo créditos fiscais, prazos e fases de cobrança.
Claudia Regina Gabriele
Claudia Regina Gabriele Advogados
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