Por Claudia Regina Gabriele
Recebi com entusiasmo a notícia de que grandes grupos franceses se comprometeram a investir R$ 100 bilhões no Brasil até 2030. O anúncio feito pelo presidente Lula durante sua agenda na França reforça a confiança de investidores estrangeiros em nosso mercado e sinaliza um momento promissor para a economia brasileira.
Os setores contemplados – energia renovável (ENGIE e TotalEnergies), logística (CMA CGM e Vinci Highways) e agroindústria (Lactalis) – estão entre os mais dinâmicos e estratégicos para o desenvolvimento do país. Esses investimentos têm o potencial de modernizar nossa infraestrutura, impulsionar a transição energética e fortalecer cadeias produtivas essenciais, gerando empregos e movimentando a economia em diversas regiões.
No entanto, a concretização desses projetos depende não apenas da vontade política e da confiança dos investidores, mas também da estabilidade jurídica e tributária. Empresas estrangeiras que se estabelecem no Brasil enfrentam uma carga burocrática significativa, além de um sistema fiscal considerado um dos mais complexos do mundo.
Os desafios tributários na nacionalização de empresas
- Regime Fiscal e Planejamento Tributário A entrada de multinacionais no Brasil exige uma análise cuidadosa das estruturas societárias mais eficientes (holding brasileira, filial, subsidiária etc.). Cada modalidade implica diferentes impactos em IRPJ, CSLL, PIS/COFINS e, no caso de remessa de lucros, na tributação na fonte.
- Tributação sobre Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) Apesar de o Brasil não tributar a entrada de capital estrangeiro (Lei nº 4.131/1962), a remessa de lucros e dividendos ao exterior está sujeita a regras específicas. Desde 1996, os dividendos são isentos de IR na fonte, mas operações como royalties e juros sobre capital próprio sofrem tributação, o que exige um planejamento estratégico.
- Benefícios Fiscais e Incentivos Setoriais Muitos dos investimentos anunciados estão em setores com possibilidade de incentivos, como energia renovável (isenções regionais e REPENEC) e infraestrutura (REIDI). No entanto, a insegurança jurídica em torno de programas como o Special Regime for the Development of Infrastructure (REIDI) pode desestimular investidores.
- Cumprimento das Obrigações Acessórias A complexidade do SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), a submissão ao eSocial e as exigências da Receita Federal demandam adaptação por parte das empresas estrangeiras, muitas vezes exigindo consultoria especializada para evitar autuações.
Viagens presidenciais e a atração de investimentos: vale o custo?
O presidente Lula justifica suas agendas internacionais como ferramenta essencial para atrair investimentos. De fato, a diplomacia econômica é fundamental, mas é preciso questionar:
- Qual o real impacto dessas missões? Anúncios de investimentos devem ser acompanhados de efetiva implementação, o que depende mais da desburocratização interna do que de acordos políticos.
- O ambiente tributário é favorável? Mesmo com grandes aportes prometidos, a insegurança jurídica em temas como guerra fiscal entre estados e mudanças frequentes na legislação pode postergar ou até inviabilizar projetos.
Entre a oportunidade e a necessidade de reformas
A vinda de empresas francesas é uma excelente notícia para a economia brasileira, mas não podemos ignorar que, sem uma reforma tributária que simplifique e dê previsibilidade aos investidores, muitos desses projetos podem enfrentar obstáculos.
Defendo que o Brasil precisa avançar não apenas na atração de capital estrangeiro, mas também na modernização de seu sistema fiscal. A simplificação de obrigações, a redução de litígios e a estabilidade nas regras são tão importantes quanto os discursos de boas-vindas feitos em solo francês.
Enquanto o governo celebra os R$ 100 bilhões em investimentos, é preciso assegurar que o Brasil esteja realmente preparado para recebê-los – e que esses recursos não se percam em meio à complexidade tributária que ainda nos assombra.
Claudia Regina Gabriele | Especialista em Direito Tributário e Nacionalização de Empresas