O recente caso da GetNinjas, em que a REAG Investimentos disparou a cláusula de poison pill ao adquirir 32% das ações da empresa, reacendeu o debate sobre os mecanismos de proteção aos acionistas minoritários. Do ponto de vista societário, a poison pill é uma ferramenta eficaz para evitar aquisições hostis, mas, sob a ótica tributária, ela traz implicações complexas que merecem atenção.
Sendo uma cláusula estatutária, a poison pill obriga um investidor que ultrapassa determinado percentual de ações a fazer uma oferta pública de aquisição (OPA) por todas as ações em circulação, geralmente com um prêmio. O objetivo é proteger os minoritários de aquisições abaixo do valor justo, como ocorreu no caso do Twitter (agora X) com Elon Musk.
No Brasil, a GetNinjas adotou essa estratégia, e a REAG Investimentos, ao atingir 32% do capital, foi obrigada a lançar uma OPA para os demais acionistas. Do ponto de vista societário, isso garante transparência e equidade. No entanto, do lado tributário, surgem questões relevantes.
Os desafios tributários da poison pill
- Tributação da OPA com Prêmio: Quando um investidor é obrigado a fazer uma OPA com prêmio, os acionistas que vendem suas ações terão ganho de capital. No Brasil, esse ganho é tributado à alíquota de 15% (para valores acima de R$ 20 mil em um mês). Se a operação envolver grandes volumes, como no caso de uma poison pill, a Receita Federal pode questionar se o prêmio pago reflete efetivamente o valor de mercado ou se há indícios de planejamento tributário agressivo.
- Efeitos no IRPJ e CSLL da Empresa-Alvo: Se a poison pill for acionada e a empresa fechar seu capital, isso pode alterar sua estrutura societária e, consequentemente, sua tributação. Empresas fechadas têm regras diferentes de governança e, em alguns casos, podem perder benefícios fiscais vinculados ao mercado de capitais.
- Risco de Litígios com o Fisco: Caso a poison pill seja interpretada como uma manobra para evitar a tributação em uma venda futura (por exemplo, se o adquirente preferir pagar um prêmio agora em vez de enfrentar impostos mais altos em uma venda posterior), a Receita Federal pode contestar a operação com base na legislação antielisiva (Lei 12.814/2013 e normas do CARF).
- Impacto na Liquidez e Valor de Mercado: A poison pill pode desestimular investidores estratégicos, reduzindo a liquidez das ações e, consequentemente, seu valor de mercado. Isso afeta a base de cálculo de tributos como ITCMD (em caso de doação de ações) e até mesmo o imposto sobre grandes fortunas (se futuramente implementado).
A poison pill é um instrumento válido para proteger minoritários, mas sua adoção deve ser acompanhada de uma análise tributária cuidadosa. Empresas que a utilizam precisam estar cientes dos riscos fiscais envolvidos, especialmente em cenários de alta volatilidade de mercado.
Do ponto de vista do legislador, seria interessante discutir se esse mecanismo merece tratamento tributário diferenciado, evitando que sua aplicação gere insegurança jurídica. Enquanto isso, cabe aos tributaristas e às áreas jurídico-fiscais das empresas avaliarem se a poison pill é a solução mais eficiente ou se outras estratégias, como acordos de acionistas ou tag along reforçado, poderiam atingir o mesmo objetivo com menos impactos fiscais.
Em resumo, a poison pill é uma faca de dois gumes: protege os acionistas, mas exige cautela para não criar passivos tributários indesejados. No mundo dos negócios, veneno e remédio muitas vezes dependem apenas da dosagem.
Fonte: Boldrini, Gustavo. “O que é poison pill, , a “pílula” que protege acionistas da mudança de controle em uma empresa”. Investalk, 04 de abril de 2025, https://investalk.bb.com.br/noticias/quero-aprender/o-que-e-poison-pill-pilula-que-protege-acionistas-da-mudanca-de-controle-em-uma-empresa