Recuperações judiciais na indústria: crise ou falta de planejamento tributário?

Claudia Regina Gabriele, Advogada Especialista em Direito Tributário

Os dados divulgados pelo Monitor RGF no Valor Econômico revelam um cenário preocupante: a indústria lidera o ranking de recuperações judiciais no Brasil, com 1.112 empresas em processo de reestruturação apenas no primeiro trimestre de 2024. Setores como açúcar e álcool, confecções e embalagens plásticas estão entre os mais afetados, com índices de recuperação que mais que triplicam a média nacional.

Mas o que está por trás desse fenômeno? A alta da Selic e os juros elevados são frequentemente apontados como os grandes vilões, e de fato, o endividamento das empresas industriais – muitas delas dependentes de financiamento de longo prazo – foi agravado pelo custo do crédito. No entanto, será que a carga tributária e a falta de gestão fiscal estratégica também não têm sua parcela de culpa?

O passivo tributário como agravante

Um exemplo emblemático é o caso da Bombril, que, além de uma dívida de R$ 332,8 milhões, possui um passivo tributário de R$ 2,3 bilhões – ainda não em fase de cobrança, mas uma espada de Dâmocles sobre sua saúde financeira. Situações como essa não são isoladas. Muitas empresas entram em recuperação judicial já com sérios problemas fiscais, seja por litígios acumulados, falta de planejamento tributário ou mesmo pela complexidade do sistema brasileiro.

A indústria, por sua natureza, está sujeita a uma série de tributos federais, estaduais e municipais – ICMS, PIS/Cofins, IPI, IRPJ e CSLL, além de encargos trabalhistas. Quando a gestão tributária é negligenciada, os créditos fiscais se acumulam e, em um cenário de aperto financeiro, tornam-se insustentáveis.

A falta de crédito tributário estrutural

Outro ponto crítico é a dificuldade de compensação de créditos tributários, especialmente no ICMS. Empresas do setor sucroalcooleiro, por exemplo, enfrentam problemas com a restituição de impostos estaduais, que muitas vezes ficam retidos nos cofres públicos. Quando o fluxo de caixa já está comprometido pela alta dos juros, a demora na devolução desses valores pode ser o golpe final.

Além disso, programas de incentivo fiscal, como a Lei do Bem ou REINTEGRA, poderiam aliviar parte do custo tributário, mas muitas empresas não os utilizam por desconhecimento ou burocracia excessiva.

O que poderia ser feito?

  • Revisão de Estratégias Tributárias: Empresas em dificuldades devem avaliar ativamente possíveis recuperações de créditos, revisão de processos administrativos e judiciais, e a utilização de benefícios fiscais disponíveis.
  • Mediação Fiscal Preventiva: Antes de chegar à recuperação judicial, negociações diretas com o Fisco (como parcelamentos especiais ou transações) podem evitar a judicialização.
  • Pressão por Reforma Tributária Efetiva: A simplificação do sistema, especialmente com a consolidação do ICMS (já em curso com o ICMS Nova Fronteira) e a redução da litigiosidade, é essencial para dar previsibilidade às empresas.

Mais do que juros, uma questão de gestão

Não há dúvidas de que o cenário macroeconômico desfavorável pesa sobre a indústria. Mas enquanto o debate se concentra apenas na Selic, muitas empresas deixam de olhar para um fator que poderiam controlar melhor: sua eficiência tributária. Em um país onde o custo Brasil inclui uma das cargas fiscais mais complexas do mundo, ignorar esse aspecto é um risco que muitas empresas não podem mais correr.

A recuperação judicial pode ser um caminho necessário para muitas delas, mas sem uma reestruturação fiscal consistente, será apenas um paliativo – e não a solução definitiva.

Claudia Regina Gabriele

Especialista em Direito Tributário | Claudia Regina Gabriele Advogados


Referências:

“Setor industrial lidera ranking de recuperações judiciais no país”. Valor Econômico, 6 de maio de 2025, https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/05/06/setor-industrial-lidera-ranking-de-recuperacoes-judiciais-no-pais.ghtml.

“Crise da Bombril: veja as razões listadas pela empresa ao pedir recuperação judicial”. IstoÉ Dinheiro, 11 de fevereiro de 2025, https://istoedinheiro.com.br/crise-bombril-recuperacao-judicial-motivos/.

“Por que a Bombril pediu recuperação judicial e quem são os maiores credores”. Exame, https://exame.com/negocios/por-que-a-bombril-pediu-recuperacao-judicial-e-quem-sao-os-maiores-credores/. Acesso em 6 de maio de 2025.

Legislação de referência

  • IN RFB nº 1700/2017, IN RFB nº 2.003/2021, IN RFB nº 2.004/2021, IN RFB nº 1.252/2012, IN RFB nº 2.005/2021, IN SRF nº 459/2004, IN RFB nº 765/2007
  • Lei Complementar nº 123/2006, Leis nºs 9.718/1998, 10.637/2002 e 10.833/2003
  • Resolução CGSN nº 140/2018, Resolução CFC nº 1.330/2011
  • Comitê de Pronunciamentos Contábeis, RIR/2018
  • Portaria RFB nº 5018/2020
  • Ajuste SINIEF nº 2/2009
  • Decreto nº 8.373/2014