A ADI 5529 e os riscos à inovação no agronegócio

Por Claudia Regina Gabriele, especialista em Direito Tributário

Em setembro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, declarando inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI). A decisão, motivada por preocupações com o acesso a medicamentos durante a pandemia, buscava evitar a extensão indeterminada de patentes farmacêuticas devido à morosidade do INPI. No entanto, seus reflexos têm atingido outros setores — especialmente o agronegócio — de maneira preocupante, gerando insegurança jurídica e riscos aos investimentos em tecnologia agrícola.

O que decidiu o STF e por quê?

A LPI originalmente estabelecia dois critérios para a vigência de patentes:

  • Prazo fixo (20 anos para invenções e 15 para modelos de utilidade), contados do depósito;
  • Garantia mínima (10 anos para invenções e 7 para modelos de utilidade), contados da concessão.

O problema é que, como o INPI demora anos para analisar pedidos, o segundo critério permitia que algumas patentes—especialmente farmacêuticas—tivessem vigência estendida indefinidamente. O STF entendeu que isso prejudicava a concorrência e o interesse público, especialmente em meio à crise sanitária.

A decisão, portanto, extinguiu o parágrafo único, mas modulou seus efeitos:

  1. Regra geral: Aplicação ex nunc (sem retroação), mantendo patentes já concedidas.
  2. Exceções retroativas:

O problema: a expansão indevida para o agronegócio

Apesar de o STF ter focado no setor de saúde, tribunais estaduais vêm aplicando a ADI 5529 para revisar prazos de patentes agrícolas, muitas vezes:

  • Determinando a redução imediata da vigência, mesmo sem participação do INPI no processo;
  • Suspender pagamentos de royalties e até ordenar devoluções retroativas;
  • Ignorando a presunção de legalidade dos atos administrativos anteriores à decisão.

Isso cria um cenário perigoso: empresas que investiram em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de sementes, defensivos e tecnologias agrícolas veem seus direitos de propriedade intelectual esvaziados abruptamente, sem previsão legal clara.

Os riscos para a inovação no campo

O agronegócio brasileiro depende crucialmente de inovação — seja no desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas, seja em biotecnologia aplicada ao solo. Se empresas multinacionais e nacionais passarem a enxergar o Brasil como um ambiente hostil à proteção de patentes, os efeitos podem ser graves:

  • Desestímulo a investimentos em P&D;
  • Fuga de capitais para jurisdições com maior segurança jurídica;
  • Atraso tecnológico do agro nacional em relação a concorrentes como EUA e China.

O STF não quis isso — e o judiciário precisa entender

Como destacado no voto do ministro Dias Toffoli, a ADI 5529 nunca pretendeu gerar insegurança generalizada. Seu objetivo era equilibrar:

Interesse público (evitar monopólios prolongados);

Segurança jurídica (respeito a direitos adquiridos).

A expansão indiscriminada da decisão para o agronegócio distorce esse equilíbrio. É urgente que:

  1. Tribunais estaduais respeitem a modulação de efeitos do STF e não apliquem retroações além dos casos previstos;
  2. O INPI seja ouvido nos processos que afetem prazos de patentes;
  3. O Legislativo avalie ajustes normativos para evitar interpretações disruptivas.

Proteger a inovação sem sacrificar a legalidade

A ADI 5529 foi uma resposta legítima a um problema específico (a demora do INPI + impactos na saúde), mas sua aplicação ao agronegócio é um efeito colateral indesejado. Se o Brasil quer continuar atraindo investimentos em tecnologia agrícola, é essencial que o Judiciário interprete a decisão com rigor técnico — não como um “cheque em branco” para revisões indiscriminadas.

Caso contrário, arriscamos transformar uma vitória contra abusos em um tiro no pé da inovação nacional.

Claudia Regina Gabriele, Especialista em Direito Tributário

Claudia Regina Gabriele Advogados


Referência:

“Impactos da ADI 5529 para as patentes do setor agrícola”. Valor Econômico, 22 de abril de 2025, https://valor.globo.com/legislacao/coluna/impactos-da-adi-5529-para-as-patentes-do-setor-agricola.ghtml.